Wolf - por Tatyana Araujo





Ele era jovem, mas já conhecia a cor da morte: vermelho. Carmesim para as mais belas e deliciosas. Vermelho para o resto e, ocasionalmente, algo podre no meio disso tudo.
Ele era novo, mas também era um lobo. Um garoto com uma segunda natureza, um espírito selvagem e instintos precisos. De onde veio ele teria uma posição de destaque, um posto com título – caçador – e honrarias.
Teria tudo isso se não tivesse escolhido as sombras – existem outros tipos de caçadores, não é? –, o anonimato de servir aos grandes nomes.
Ainda assim ele era respeitado e temido. Era algo como a sua natureza animal falando alto o suficiente para os instintos dos seus companheiros ouvirem.
Alto demais, às vezes.
“Uma criança não deveria ter olhos assim.”, eles diziam.
Se “assim” era pela cor de sangue ou pela voz por trás deles, não era claro. Sabe como são essas pessoas com seus auspícios, se assustam por qualquer coisa...
O Chefe, no entanto, não tinha medo. Ele via o vermelho, a fome e os instintos, mas enxergava além. Via o garoto de risada fácil e esperto demais para seu próprio bem. O Chefe entendia e ajudava a separar: “Sangue, apenas para a hora de sangue.”
Com o tempo ele aprendeu a se ajustar às obrigações e ao mundo, mas a ironia não lhe escapava: enquanto a morte era quase uma casualidade banal, a essência do menino e seus impulsos causavam medo e estranheza. Um incômodo que com urgência pedia “tire isso daqui.”
Por isso ele gostava da floresta: era calma, escura e esquecida. Se você andasse muito para o norte – como ele fazia agora – encontraria algo mágico por lá. Bem, ao menos era o que as histórias diziam: que aquela floresta mudava, ganhava vida e magia. Que humanos gostavam de se aventurar por lá para descobrir os mistérios do Universo, mas quando ninguém mais voltou inteiro, eles voltaram suas atenções para fadas e suas magias.
Quando ouvia esses contos, o menino pensava que talvez fadas fossem mais fáceis de lidar do que toda a grandeza do que está acima de suas cabeças.
O que não avisavam nas histórias, no entanto, era o tempo que levava para um viajante sair da parte escura da floresta para a clara. Dias, meses... Ele poderia jurar que corria há anos e em nenhum momento o caminho parecia chegar ao fim.
Por sorte, um lobo não sente essa viagem.
Bem, não esse jovem lobo, ele se dizia.
Esse jovem lobo consegue ir até o norte ver as fadas e, quem sabe, algo mais. Esse jovem lobo só precisa do silêncio da existência vazia daquela parte morta do sul da floresta para impulsionar seus passos. Um jovem lobo apenas conversa consigo mesmo, em sua cabeça, com frases motivacionais, para passar tempo e mais nada.
Foi em algum lugar entre o pôr do sol e ele notar a diferença de perfumes no ar, que a música surgiu.
Não era qualquer som. Apenas uma voz solitária perdida entre as árvores. Pálida, frágil, tão jovem quanto ele se sentia, mas infinitamente grande em sua beleza.
Sem consciência de seus passos, ele fez o que não se deve fazer. Chegou mais perto.
A música ficava mais clara, mais presente. Falava algo sobre um príncipe, uma princesa e uma tragédia tão bela que ganhou suas próprias estrelas.
Com o coração palpitando como nunca havia antes – nem mesmo em sua primeira caça – ele passou pela última árvore.

Ela era jovem, mas seus olhos já conheciam os mistérios da vida. Magia para o invisível e belo. Filosofias e histórias para o resto e entre uma coisa e outra, segredos tão vis que não deviam ser repetidos.
Ela era nova, mas tão grande em sua presença e tão efêmera ao mesmo tempo, que ele poderia tê-la confundido com algo eterno. E quando seus olhos se cruzaram, ele sorriu reverente e apaixonado.
Por mais que fosse jovem, ele entendia o suficiente da vida para saber quando ela não é mais sua e agora se encontrava aos pés daquela garota etérea que, mesmo surpresa com a visita, não perdeu uma nota de sua música, nem uma vírgula de sua história.
Pelo contrário.
Com a graça de uma rainha ela se levantou, pegou o sacrifício silencioso do jovem lobo, andou até ele e com mil perguntas na ponta de sua língua, apenas fitou seus olhos.


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